Consequências da escravidão
- Albino Boss
- 21 de set. de 2020
- 3 min de leitura
Atualizado: 10 de dez. de 2020
Refletir sobre o racismo no Brasil é situar-se dentro da grande e eloquente trajetória da escravidão no Brasil, que fomentou uma narrativa histórica pautada na subordinação econômica do negro brasileiro. A escravidão no Brasil foi majoritariamente negra, ainda que os indígenas tivessem sido utilizados na mão-de-obra escrava, foi o negro o grande destinatário do trabalho compulsório.
Disso resultaram consequências que vislumbramos até os dias atuais. Em grande parte, consequências geradas no mais alto desrespeito na condição humana desses sujeitos, “de modo que uma pessoa ou um grupo de pessoas podem sofrer um dano real, uma distorção real, se as pessoas ou a sociedade que os rodeiam lhes devolvem como reflexo uma imagem restritiva, degradante ou depreciável de si mesmos”.
Direitos Humanos
Os direitos humanos como movimento contramajoritário e da busca da proteção e emancipação de todos os seres humanos dos grilhões da opressão e de toda ideologia desumanizante é tarefa ingrata e desgastante. A primeira dificuldade enfrentada diz respeito àqueles setores que são reconhecidamente necessários para o avanço da democracia, mas que, preocupados com a alta da audiência, acabam por transigir com as fontes do racismo no Brasil. Um exemplo conhecido de todos é o comportamento de uma parcela significativa da nossa mídia que explora a violência contra os negros no Brasil de maneira a naturalizar o genocídio da população negra.
Um outro aspecto é a intransigente postura dos governos que se sucedem no Brasil, que invariavelmente aplicam políticas longe ainda da real necessidade da população negra no Brasil.
Muitos dos esforços no Brasil para efetivação dos direitos humanos apresentam características assimétricas, ao estabelecerem prioridades alienígenas à nossa realidade, ou mesmo equivocadamente quando apresentam a origem das violações dos direitos humanos em um tempo e espaço histórico seletivo.
Por exemplo, a trágica experiência da ditadura civil-militar de 64, ignorando sub-repticiamente os verdadeiros fatores determinantes de desigualdade social e as implicações na cultura da violência no Brasil, que, sabidamente tem na escravidão a instituição que mais moldou nossa realidade social, seja nos costumes, seja na forma como as instituições atuam, especialmente para a vocação para a promoção da desigualdade social.
Isso fica evidente na situação escandalosa das nossas universidades federais até bem pouco tempo atrás (hoje, felizmente, mais da metade das vagas é destinado às escolas públicas), onde a maioria dos beneficiários eram os mais privilegiados do ponto de vista econômico (pagavam os cursinhos mais caros), ganhando do Estado um prêmio para manterem e até aumentarem a desigualdade social, próprio de um liberalismo anacrônico e marcadamente com as ideias fora de lugar.
Racismo Institucional
No entanto, o caso mais dramático é o tratamento dado pelo nosso sistema penal, que, de conhecimento de todos, remonta às mesmas práticas seletivas do período escravocrata, reforçando um conceito então muito utilizado nos dias atuais, o racismo institucional.
O racismo institucional desanda nas suas formas mais perversas, e sendo a mais conhecida e festejada pelos altos índices de audiência dos jornais brasileiros é aquele que trata da matança sistemática dos jovens negros brasileiros[4]. A invisibilidade do ser humano negro no Brasil tem tons dramáticos quanto tratamos do perfil homem, negro e jovem.
O que ocorreu com Michael Brown, morto por um policial identificado como Darren Wilson na pequena cidade de Ferguson, ocorre diariamente em vários cantos de nosso país. Infelizmente, a repercussão que se deu nos Estados Unidos não é a mesma aqui no Brasil. Nosso país passou por um processo de naturalização da situação precária e indigna do jovem negro brasileiro.
Mesmo instituições respeitáveis, como as faculdades de direito no Brasil, que teriam que ser as primeiras a realizar discussões e pesquisas acadêmicas sobre este trágico fenômeno, preferem manter na pauta temas que pouco tocam a realidade brasileira, embora tenhamos algumas louváveis exceções[5].
Com isso, as faculdades de direito no Brasil entram na triste convergência do racismo institucional e cumprem com as demais instituições a sua função de ofuscar a prioridade do tratamento do genocídio dos jovens negros brasileiros. Seja pela omissão, seja pela ação, as faculdades de direito, na sua maioria, silenciam quanto a um problema sério de violação de direitos humanos.
Outra faceta do racismo institucional é a margem da ausência de respeito e do reconhecimento dos cotistas nas universidades e instituições brasileiras, como forma de inviabilizar as políticas de ações afirmativas, que, infelizmente tem se mostrado ineficiente na administração das consequências e das formas de indiferença que enfrentam os cotistas quando da admissão em uma vaga da universidade ou pela nomeação em um cargo público.

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